IMPACTO DA PANDEMIA NOS HÁBITOS DE CONSUMO EM PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

Após a Segunda Guerra Mundial foram criadas classificações com o objetivo de categorizar países de acordo com o índice de desenvolvimento que se encontram. Países industrializados foram chamados “desenvolvidos”, enquanto os que obtinham sua maior fonte de riqueza proveniente da agricultura foram chamados de “subdesenvolvidos”. A grande maioria dos países subdesenvolvidos se localiza no hemisfério sul e, ao longo de sua história, sofreram com a colonização e exploração de seus recursos por parte dos países desenvolvidos.

Com o passar dos anos, uma grande parte desses países conseguiram melhorar seu índice de desenvolvimento humano (IDH) e passaram a ser categorizados como “países em desenvolvimento”. Atualmente, após incentivos governamentais que propiciaram que uma boa parte da população saísse da linha da pobreza e acendesse a classe C, o Brasil se enquadra nesta classificação. Contudo, esses países ainda não possuem a mesma estabilidade financeira que os considerados desenvolvidos, tornando sua economia muito mais frágil a mudanças. A pandemia de coronavirus, que teve inicio no final de 2019 e rapidamente se espalhou ao redor do mundo, é uma grande ameaça a essas economias já antes instáveis.

Uma vez que países subdesenvolvidos possuem índices de desenvolvimento humano baixíssimos, se torna bastante complexo analisar mudanças em hábitos de consumo de suas populações, já que elas, muitas vezes, não possuem acesso a saneamento básico e convivem diariamente com a fome e o trabalho escravo. Em outras palavras, são populações com hábitos de consumos voltados mais exclusivamente para obtenção de itens de primeira necessidade, muitos sem acesso a meios de comunicação modernos e que, até mesmo, dependem do incentivo de organizações para conseguir sobreviver.

Soma-se a isso o fato dos governantes destas nações fazerem esforços para que estes problemas sejam solucionados objetivando migrar para outro patamar que é industrialização e implementação de tecnologias voltadas a produtividade e outros meios. Também alia-se a isso, outros recursos para poder criar uma camada de consumidores fora do eixo de produtos básicos, que possam impulsionar a economia destes países interna e externamente dentro de uma visão capitalista globalizada e assim formar a base que citamos acima.

Desta forma, este trabalho irá analisar mais enfaticamente as mudanças no comportamento de consumo de habitantes de países em desenvolvimento, como o Brasil, pois estes, mesmo que heterogeneamente, possuíam hábitos de consumo de itens supérfluos e acesso a meios de comunicação no período pré pandemia, tornando possível a comparação de dados.

 

Brasil, nação em desenvolvimento e seus pares diante do contexto atual

Segundo o Instituto Locomotiva, 51% dos brasileiros já tiveram perda de renda no Brasil. A tendência é que quanto mais tempo passe mais gente seja impactada. De maneira geral, o consumo deve cair e vamos conhecer um consumidor muito mais crítico. Por isso, as decisões serão tomadas de forma muito mais consciente e precisa. As compras por impulso, por exemplo, deixam cada vez mais de existir e uma visão de longo prazo emerge nas ações do brasileiro.

 

Mudanças mais vistas no âmbito de consumo:

  • Digitalização do consumo
  • Consumo mais consciente
  • Consumo mais social

Mudanças mais vistas no âmbito de comportamento/cultura:

  • 53% dos brasileiros apresentaram crises de ansiedade, depressão ou outro tipo de distúrbio
  • Medo X desejo (medo: do contágio, insegurança financeira, violência doméstica / desejo: resgate da antiga vida, criar novas formas de vida e novos valores, consumir, se divertir, se relacionar com pessoas)
  • Aumento de 76% no uso das chamadas de video no whatsapp
  • 20% dos brasileiros criaram o hábito de se encontrar virtualmente com amigos e parentes
  • 35% tem o trabalho dentro de casa como principal atividade na quarentena
  • 70% dos brasileiros pretende mudar sua rotina quando a vida “voltar ao normal” (26 com uma rotina totalmente diferente da anterior)
  • 70% das empresas pretendem manter o trabalho remoto integral ou parcial mesmo após a pandemia
  • 70,3% dos trabalhadores brasileiros estiveram ou estão em home office
  • 80% dos gestores no br se dizem satisfeitos com o trabalho remoto
  • Aumento de 266% na busca por missas via youtube
  • Aumento de 86% nos downloads de app de streaming
  • Aumento de 60% nas buscas pelo ao vivo no youtube
  • Em março no br aumento de 198% nas buscas sobre “como comprar online”
  • 31% das pessoas que usaram e-commerce fizeram isso pela primeira vez
  • 42% nas compras online entre abril e maio
  • Os casos de feminicídio aumentaram em 22% durante a pandemia.

A transmissão do Covid-19 já está presente em todos os continentes e a depressão econômica também afetará os países por todo o globo. Os países mais vulneráveis serão os mais afetados, enquanto as grandes economias podem sair fortalecidas. São países onde a produção de tecnologia, serviços altamente qualificados, conhecimento e indústria voltada a exportação.

Todos os países têm adotado medidas de isolamento social e paralisação das atividades não essenciais. A estratégia têm se mostrado eficiente contra a pandemia, mas tem gerado grandes custos financeiros. Uma das área mais afetadas é a econômica, uma vez que os consumidores tiveram que adaptar seus hábitos de compra, a forma de consumir e o que consumir diante de um comportamento social novo e inesperado.

O impacto deste contexto abalou não só os consumidores mas, principalmente, às empresas que estão vivendo uma nova realidade e se adaptando a ela quando possível. Importante salientar, que dientes deste contexto, muitas empresas tiveram que parar suas atividades e outras foram impostas a limitações. Cada uma delas terão seus desafios para se reerguer. Umas poderão se adaptar e seguir com as atividades diante de um contexto totalmente diferente de consumo e produção. Outras, além disso, deverão se reerguer após um tempo paradas e passar por uma nova adequação para prosseguir vivas no mercado. Todo este contexto terá um impacto enorme nas países em desenvolvimento e o papel do estado será fundamental em manter uma plataforma de consumidores ativa.

Já na economia global,  medida que a pandemia de coronavírus avança ela faz com, os países subdesenvolvidos sofrendo danos intensos. As empresas que enfrentam o desaparecimento das vendas demitem trabalhadores. As famílias com falta de renda estão racionando a comida. O investimento internacional está fugindo dos mercados emergentes em um ritmo não visto desde a crise de 2008, desvalorizando moedas e forçando as pessoas a pagar mais por bens importados, como alimentos e combustíveis.

Do Sul da Ásia à África e à América Latina, a pandemia está confrontando países em desenvolvimento com a emergência de saúde pública combinada com a crise econômica, uma exacerbando a outra. Nesses países pobres onde bilhões de pessoas vivem perto da calamidade os perigos são ainda maiores.

Em países turísticos como a Tailândia, a Indonésia, a Turquia e a África do Sul  a imposição de uma quarentena mundial ameaça gerar desemprego em massa nos setores hoteleiro, turístico e de restaurantes. A Índia, com 1,3 bilhão de habitantes, está profundamente exposta, mesmo que o número oficial de casos de Covid-19 pareça limitado.

A interrupção da indústria em todo o mundo reduziu drasticamente a demanda por commodities, afetando produtores de cobre como o Chile, o Peru, a República Democrática do Congo e a Zâmbia, além de produtores de zinco como o Brasil e a Índia. Os exportadores de petróleo são especialmente suscetíveis à desaceleração, uma vez que os preços permanecem baixos, pressionando a Colômbia, a Argélia, Moçambique, o Iraque, a Nigéria e o México.

Sobre a nossa vizinha  Argentina que já estava em perigo antes da pandemia com sua moeda perdendo mais de dois terços de seu valor em 2018 e 2019 e inflação ultrapassando 50%. Sua economia contraiu 2% no ano passado, a continuação de um longo período de infortúnios. A dívida pública se aproximou de 90% da produção econômica anual. E estima-se que esse será o país mais castigado da região, que a população pobre aumentará 10,8% em 2020 em relação a 2019 e já foi cessado o pagamento da sua dívida externa.

Sobre a África do Sul, a mesma já estava em apuros antes da pandemia com sua economia em recessão, a taxa de desemprego estava acima de 29 por cento. Desde que a pandemia surgiu, a moeda da África do Sul se desvalorizou mais de 20% forçando o aumento de preços e piorando ainda mais a situação do país.

 

Legados da pandemia na forma de consumir

Diante deste contexto, podemos afirmar que os hábitos de consumos nesses países, salvo as particularidades culturais, terão adaptações semelhantes, pois disponibilizam de bases tecnológicas, cadeia produtiva e produtos para consumo, empresas consolidadas e uma economia relativamente estável. Além disso uma cultura de consumo capitalista.

Devido a pandemia vamos ter dois momentos na forma com que as pessoas seguem sua rotina de consumidores mas de forma adaptada e mais racional. Um período durante da pandemia e outro pós-pandemia. A forma com que os consumidores estão lidando com o contexto atual vai refletir em um período sem pandemia devido o impacto financeiro, a forma de consumo refletindo, inclusive, na relações com as marcas. Além disso, existe um fator psicológico voltado a uma maior reflexão sobre os “valores” que estes produtos impactam socialmente e ecologicamente, muito impulsionado pela redução no poder aquisitivo das pessoas. E isso vale para as marcas também.

Um dado importante é o salto do uso de tecnologia para aquisição de produtos, muito impulsionada pela necessidade e também pela existência de plataformas robustas para este fim, como aplicativos e sites de e-commerce. O que facilitou uma rápida adaptação por parte dos consumidores. Por outro lado, uma grande parcela da população não utilizavam esses recursos. Umas por receio, referente a segurança, e outras por simples desinteresse e falta de entendimento. Por força do contexto, este público se viu obrigado a utilizar estas ferramentas e a probabilidade de tornarem elas rotina em sua maneira consumir, no período pós-pandemia é enorme. Portanto a tecnologia se fará cada vez mais presente nos negócios, principalmente nas relações com os consumidores seja na venda e no pós-venda.

Diante disso, podemos afirmar que será um hábito mais presente nos consumidores nos países subdesenvolvidos. Um crescimento exponencial na utilização de ferramentas online e aplicativos para aquisição de produtos e serviços e, consequentemente, as empresas se adaptando para tornar estes ambientes parte da rotina nas relações com os consumidores.

A digitalização da forma de consumir traz consigo uma série de outros fatores agregados. Entre diversos deles, podemos citar um crescente implemento no marketing digital e o aprimoramento deste recurso, uma vez que o consumo neste ambiente cresceu se seguirá em ascensão. Redução de índices de poluição, devido a baixa no deslocamento de pessoas indo de loja em loja, formas de entregas de produtos, entre outros. Oportunidade das empresas oferecerem produtos que reduzam os impactos ambientais.

Sendo assim, isso fará parte de uma nova cultura na forma de consumir e na forma das empresas produzirem e se relacionarem com seus clientes. A reflexão em relação ao consumo por necessidade de satisfação pessoal, no sentido supérfluo da palavra, sofrerá um abalo na medida que a pandemia for sendo extinta. Isso devido o reflexo na queda do poder aquisitivo movida pelos problemas econômicos gerados pelo contexto. Já existia uma tendência de conscientização na forma de comprar ou adquirir um serviço, mas isso será acelerado. Uma tendência que as empresas já observaram e estão se adaptando.

O avanço da digitalização não está se limitando ao ambiente de negócios e sim expandindo em outras áreas, como trabalho e educação, por exemplo. E isso se faz fundamental para países em desenvolvimento que buscam ascensão. O que antes seguia a passos lentos foi obrigado a sofrer uma aceleração. Isso mostra o lado da pandemia que pode se dizer “positivo”, que é a busca de soluções rápidas mas permanentes para problemas crônicos.

Esta realidade nos mostra a importância da tecnologia para os países em desenvolvimento, o que irá colaborar muito para uma retomada da economia que será fragilizada pela pandemia. Para isso, é importante que estes países tenham uma base de conhecimento importante para evitar a dependência de nações desenvolvidas, podendo assim fomentar suas bases para uma consumo consciente e que gera movimento na economia e seu crescimento. É claro que isso apenas não basta, e sim toda uma cadeia produtiva e de negócios adaptada a uma nova realidade que respeite, também, as exigências não só atuais dos consumidores mas das futuras formas de consumir, reflexo deste período que requer adaptações e reflexões.

 

Rogério S. Nolasco Souza | Nicole Curtinovi  / Foto: @freepik